Salvador (Parte 3): o religioso, o profano e o sincretismo!


Salvador (Parte 3): o religioso, o profano e o sincretismo! 

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Trecho da orla de Salvador, vista do Farol da Barra

Antes de qualquer coisa, Salvador é uma das maiores cidades brasileiras e, assim como qualquer outra metrópole do país, fica impossível dizer que é uma cidade segura. Ao contrário, existe muita pobreza, os pedintes abordam o turista, por muitas vezes, de forma intimidadora e as festas populares, apesar de belíssimas e emocionantes assumem contornos mais sombrios quando estão próximas de seu término, quando boa parte dos participantes se encontram alterados pelo consumo do álcool e até mesmo drogas. A PM soteropolitana é truculenta e não poupa socos, pontapés e "cacetetadas" de maneira indiscriminada.

Pescador e seus cães - Porto da Ribeira

Salvador é mágica e enfeitiçante, mas, tem muitos problemas, e é importante ressaltá-los, para que o turista saiba como agir e poupe alguns possíveis transtornos em sua passagem pela cidade. Mas, sinceramente, falando de Brasil, em qual grande cidade tupiniquim não vemos isso? Apesar de tudo, ela é tão deliciosa que está para além desses poréns desagradáveis. Tomar banho no seu mar, passear por sua orla, revisitar o passado nas ruas de pedras do Pelourinho, sentir na pele todo o axé que essa cidade transpira... Tudo isso não tem preço! Salvador é uma festa!

E, falando em festa, como não mencionar duas maiores e mais importantes da cidade? A Lavagem do Bonfim e a Festa de Iemanjá:

Lavagem do Bonfim

A primeira acontece toda 2a. quinta-feira, do mês de janeiro, após a festa de reis; são oito quilômetros de caminhada, partindo da Igreja da Conceição da Praia até a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, onde baianas, com trajes típicos, que carregaram consigo vasos com água de cheiro e flores, lavam as escadarias do templo religioso, num gesto simbólico de purificação. O ritual acontece desde o ano de 1754 e é uma das maiores expressões do sincretismo religioso no país. A festa atrai uma multidão que caminha por todo o dia até a Colina Sagrada, a pé, celebrando a força da religiosidade e do misticismo soteropolitano. Após a homenagem religiosa, o multidão se espalha pelas muitas barraquinhas de comidas e bebidas típicas baianas, para comer, beber e dançar. Ela é 2a maior manifestação popular da Bahia, perdendo em número de participantes apenas para o Carnaval.

Festa da Iemanjá

A segunda é comemorada no dia 2 de fevereiro, sendo a maior festa em homenagem à Iemanjá do país. Neste dia o bairro do Rio Vermelha pára, com o intuito de reverenciar ao Orixá. A tradição começou em 1923, quando um grupo de 25 pescadores, ofereceram presentes para agradar a Rainha do Mar, em virtude da escassez dos peixes naquele ano. Milhares de pessoas levam suas oferendas à Mãe D,Água, desde as 5h da manhã até as 15:30h da tarde e logo após, acontece o cortejo para a entrega dos balaios nas centenas de embarcações, que levam os presentes para o mar. Este é o momento ápice da festa, onde a emoção toma conta dos devotos, fogos anunciam o momento e adeptos do candomblé dançam, saudando-a. O batuque do samba-de-roda e afoxé, animam as ruas, durante todo o dia, por todo o bairro. Barracas vendem bebidas e comidas típicas da Baha. Neste ano, a festa atraiu mais de 500 mil pessoas.

Festas de Santa Bárbara (Iansã) e Nossa Senhora da Conceição (Oxum)

As festas de Santa Bárbara e Nossa Senhora da Conceição da Praia (padroeira da cidade de Salvador) também arrastam uma multidão e comprovam a força do sincretismo religioso na cidade. Ambas acontecem no mês de dezembro (dias 04 e 08, respectivamente) e além de homenagear as santas do catolicismo, cultuam ao mesmo tempo, dois dos mais populares orixás do candomblé: Iansã (Sta. Bárbara) e Oxum (N. Sra. da Conceição). Vale dizer que a festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia é considerada a festa religiosa mais antiga do país, tendo sua origem datada de 1549, devido a devoção do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa. A tradição se mantém até os dias atuais e a festa reúne milhares de baianos e turistas nas principais ruas do bairro do Comércio, um dos mais tradicionais de Salvador.

Importante: as festas da Cidade da Bahia são incríveis e merecem ser vistas e aproveitadas, mas, é preciso tomar cuidado com batedores de carteira... Leve somente o necessário e sepossível, tudo dentro de uma doleira. 

Senzala do Barro Preto -  Sede do Ilê Aiyê

Além das festas tradicionais, temos os blocos afros que fazem a alegria dos baianos e dos turistas que por ali se achegam. As festas começam a ferver no verão e seus ensaios fazem a alegria de todos. Grande parte dos ensaios acontecem no Pelourinho (Olodum, Araketu, Cortejo Afro, Muzenza, Didá, Filhas de Gandhy e Filhos de Gandhy, entre outros). Só que o fervo dos blocos não se resume apenas ao Pelô (apelido carinhoso dado ao Pelourinho); bandas como a Timbalada (Museu do Ritmo, bairro Comércio), Malê Debalê (Itapuã), Bankoma (Lauro de Freitas) e Ilê Aiyê (Senzala do Barro Preto, Curuzu - Liberdade), tem seus ensaios fora do trecho histórico .

Ensaio do Afoxé Filhas de Gandhy - Pelourinho

Dos blocos mencionados, é impossível não falar de pelo menos dois, que em minha opinião, estão entre os mais antigos e representativos blocos de Salvador:


Ensaio de Carnaval do Ilê Aiyê - Senzala do Barro Preto 

Nascido no Bairro da Liberdade, no ano de 1974, numa época, em que os grandes blocos e clubes eram compostos, em sua maioria, por brancos, cabendo ao negro tocar alguns instrumentos ou carregar alegorias, dois amigos decidiram criar uma agremiação carnavalesca onde o negro fosse sua peça principal, o Ilê Aiyê, foi o precursor dos blocos afros no Carnaval Soteropolitano e até os dias atuais é uma referência musical e cultural da cidade, a valorizando o orgulho da cultura negra. É um nome de grande relevância cultural não só em Salvador, como em todo o país. A Senzala do Barro Preto, na ladeira do Curuzú é lendária e seus ensaios são fascinantes; ela está localizada no bairro da Liberdade, bairro com a maior concentração de negros da cidade. Embora esteja fora do eixo turístico da cidade, ir a um ensaio do Ilê destino obrigatório para quem deseja adentrar na história do carnaval de Salvador. Dica vá de táxi, pois, embora no entorno da Senzala não haja nenhum tipo de perigo, o bairro da Liberdade é considerado um bairro violento.


Ensaio de Carnaval - Afoxé Filhos de Gandhy

Já os afoxés, que significam candomblé de rua, levam para a folia os rituais dos terreiros. Um dos mais importantes é o Afoxé Filhos de Gandhy, criado em 1949 por estivadores do Porto de Salvador. O nome foi inspirado na história de Mahatma Gandhi, que havia sido assassinado um ano antes. O bloco é composto somente por homens e tem por intuito principal a disseminação da paz. Antes dos festejos, os integrantes seguem rituais sigilosos e têm obrigações (padê), como forma de respeito ao candomblé. Os ensaios na sede própria, no Pelourinho são um espetáculo e o local onde eles se apresentam é considerado solo sagrado, onde não se pode beber ou comer. E, diferente de outros ensaios, a entrada é totalmente gratuita!

Ensaio de Carnaval - Afoxé Filhos de Gandhy

Fechando os festejos e o sincronismo religioso de Salvador, temos ainda a missa afro da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e o banho de pipoca na Igreja de São Lazaro e São Roque. Na primeira, o batuque afro toma conta da celebração e os instrumentos de percussão tomam conta da missa em batidas de afoxé e samba; o culto religioso acontece todas as 3as feiras, as 18h. Após a cerimônia, corra para a Terça da bênção: show realizado pelo cantor Geronimo, a partir das 20h, aproximadamente. Na segunda, o sincretismo religioso é ainda mais forte, pois, na porta da igreja, que fica no bairro da Federação, mães de Santo estão na porta de igreja para dar banho de pipoca para quem pedir. As missas acontecem nos dias de 2a feira, as 18h. 

Missa Afro - Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

E falando em mãe de Santo, por que não conhecer um terreiro de candomblé? Embora o local não seja necessariamente um ponto turístico, mas, um templo sagrado para a realização das atividades religiosas, assistir a uma festa de Orixá é uma experiência única! Os terreiros mais famosos de Salvador são: Gantois (que no passado foi comandado pela lendária mãe Menininha), Casa Branca, Axé Opô Afonjá, Pilão de Prata, entre outros. Dica: por se tratar de um templo religioso, as cerimônias religiosas só ocorrem de acordo com a programação da casa, portanto procure ir com alguém que conheça o local. 

A religiosidade e o profano nas festas de Salvador

Iemanjá sendo saudade e reverenciada nas festas

Salvador é religiosidade, profanação e sincretismo; tudo ao mesmo tempo! Não tem como não se deixar seduzir por toda essa magia. Além das belezas naturais, sua culinária e de toda a riqueza advinda da religiosidade, muita coisa ainda tem a ser dita sobre nossa Roma Negra. Continuem comigo nessa viagem soteropolitana...
(Continua)

Jansen Sarmento

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